Os gajos são todos estúpidos. Os gajos foram estúpidos desde
sempre e nunca se deram ao trabalho de disfarçar sequer. Nós, miúdas, é que
fingimos não ver ao certo.
O primeiro indício
chegou cedo, andava eu ainda na 2ª classe. Gostava de um rapazito chamado
Jorge, aquele tipo que usa camisinha ao xadrez e faz sempre os trabalhos de
casa, o que é espertalhão, mas não precisa de lamber as solas da professora. Era meio feínho, lembro-me que tinha uma
espécie de borbulha permanente e avermelhada na bochecha. A dita cuja roubava-lhe
qualquer tentativa de protagonismo por parte dos seus olhos banais e castanhos
ou dos dentitos cerrados e pequenos que pouco se mostravam quando ria. Acabou
comigo porque não pude ir ao magusto da escola, porque fui ao do ATL, em vez.
Na verdade, ele queria era saltar em cima da Cristiana, a miúda popular e
batoteira, a que todos andavam atrás, mas preferiu culpar-me a mim e às
castanhas (e eu nem sequer gostava de frutos-secos ou de fogueiras!!!);
Muito mais tarde
apaixonei-me pelo gajo da paragem do autocarro, comecei a frequentar aquele banco
regularmente, sem sequer entrar em transporte algum. Era só mesmo para o
observar ao longe, pra ver o que tinha vestido e invejar-lhe a destreza de
dedos a jogar snake no Nokia 3310 (creepy). A verdade é que já nos tínhamos
cruzado antes, tínhamos amigos em comum que nos juntaram a jogar cartas
quando ainda se usavam os chapéus de ganga e as bicicletas de cesto da Vilar. Mas ele era vaidoso e fazia capoeira e eu era toda trapalhona,
sem qualquer tipo de desenrascanso para as artes marciais. Mais tarde virou-se
para os graffitis e break-dance, sempre na front-line do aparato. Eu também
queria vandalizar paredes, até arranjei um nome fictício para não ser apanhada
pela polícia (ainda hoje me chamam essa m#$*%), comprei um marcador
permanente de dvd’s e comecei a usar calças da resina. Não resultou à primeira,
mas a maquilhagem e puberdade beliscaram-lhe a atenção a certa
altura. Perdeu o interesse de súbito depois de ir de férias para o Alentejo.
Ainda hoje não percebo o que é que terá acontecido debaixo das azinheiras, mas é
certo que ainda estremeço um bocado quando vejo o nome dele no musgo das
paredes dos prédios.
Parece que sempre
tive tendência para os aparatosos, os que gostam de dar nas vistas. Aos 16
fiquei de queixo caído pelo beto de cabelo à foda-se com 2m de altura. Adorava
falar do aquecimento central que tinha em casa e da empregada que lhe fazia a
cama às 5ªs de manhã. Era meloso e desnecessariamente romântico, mandava-me mms’s
com o meu nome escrito nos cadernos, todo brega e foleirão, mas eu gostava. Até
ao dia em que planeámos ir os 2 à discoteca: ele disse que ia ficar em casa, que
não tinha boleia de carro, mas eu fiz questão de ir estrear os sapatos de verniz
vermelhos que a minha amiga tinha comprado na Bershka. No dia seguinte acabou
comigo, afinal até chegou a sair, foi à discoteca do outro lado da rua e ficou
a noite inteira a conversar com a miúda mais gira do hi5. Passei meses a chorar por essa criatura, nunca tinha visto
um cabelo que se ajeitasse assim tão bem, em capacete... havia quem lhe chamasse o Manel
dos morangos com açúcar, eu não podia abrir mão da minha pseudo-celebridade que
vivia nos arredores da cadeia de Custóias!!!
Mas verdade seja dita, com muita pena minha, também andei a brincar de arremesso com material perecível e valioso. O João Manuel porque era 5 dias mais novo que
eu e tinha menos 1cm de altura e o João Miguel porque morava para os lados de
Lisboa e adorava fazer-me as vontadinhas (ca chato). Agora gosto de gajos despenteados e narigudos
como o primeiro e de intelectuais virados pra música como o segundo. Aliás, se
virmos bem, João é nome de gajo com potencial, eu gosto do típico “João”.
Eu até que gostava de me alongar mais um bocado, de continuar
a enxovalhar os meus ex’s com muito carinho, com esta escrita reveladora e
maldita, que não insulta, mas envergonha. Mas não posso. Ainda não há força nas
pernas para descrever o capítulo das trevas. Sinceramente, temo comparações com a Taylor Swift ou Elsa Raposo, mas também a conclusão é sempre a
mesma: a culpa há-de ser sempre do magusto e das castanhas, do verão das
azinheiras, do Cristo-Rei prós lados da capital, da Natacha Braga ou da
tartaruga a descoberto no pescoço da serigaita lá da escola. Ninguém jamais se atreveu a dizer que a culpa é provavelmente minha, nem mesmo os envolvidos (e ainda bem!). É para
o lado que almofada se amassa melhor, é da maneira que como mais um
cheeseburguer ou um chocolatinho!