quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O namorado que me quer vender o gato


Com certeza que qualquer um de nós já deu por si acompanhado de alguém, que a certa altura (geralmente a menos conveniente) vos fez pensar “mas afinal de contas… quem és tu, caralho?!”; Alguém que, pela exposição da convivência e da intimidade, julgaram conhecer tão bem como os anúncios repetitivos e já pouco surpreendentes do kinder chocolate.

Eu, já repetente nos desgostos amorosos, convenci-me que a solução para todas as minhas inseguranças estaria na busca do homem ideal. Erradamente e à semelhança dos anúncios de lingerie/ maquilhagem altamente manipulados pelo Photoshop, fui levada a crer que o homem que toda a mulher quer (mas ainda não sabe) é aquele que é bonzinho, mas que não faz as vontadinhas todas, o que é bonitinho, mas não muito, senão  as outras olham todas e isso é uma grande chatice, o que é inteligente, mas não se sente intimidado pelo teu vasto conhecimento em culinária ou pirotecnia a dois. O que “só” tem olhos para ti. Eu, achei-me quase pioneira nesta experiência! Afinal de contas, diz-se que as mulheres gostam é daqueles que as tratam mal, dos que têm tatuagens e cheiram sempre a vinho e eu, outrora embriagada nesse veneno preconceituoso e generalista, quis experimentar o outro lado da margem. Nestas merdas, não se constroem pontes e vai ser lixado, porque vais acabar a nadar de volta para o outro lado e vais estar cansada e desconfiada da corrente.

Lamentavelmente, os nice guys, os politicamente correctos, por vezes revelam-se ainda mais cruéis e nocivos que os assumidamente cabrões e desonestos. Aquele gajo que não parte um prato, geralmente é o que te vai estilhaçar o coração sem aviso prévio e ainda passar com uma 4x4 cheio de adrenalina por cima. Vais ser tão apanhada de surpresa que vais ficar atordoada e desorientada a pensar como é que isto foi sequer acontecer. Tu que não te deixas enganar e estás sempre atenta. Tu que pensaste que eras a dona de casa e amante consagrada e pensaste que isto estava mais que no papo.

Os gajos bonzinhos geralmente são cobardes. São os aqueles que amuam e não dizem o porquê de estarem chateados (parece que não são só as mulheres que fazem isso!). Os que andam a moer qualquer coisita, mas que fingem estar felizes porque a vida aborrecida e sem grandes atrevimentos deixou-os assim dormentes na sua fraca competência de viver. Um nice guy, nada mas é que uma alma que chegou atrasada às desventuras do amor e que ainda não tinha tido a oportunidade certa para falhar redondamente.

Tu estás lá, como quem estica as pernas na mesa anã na frente do sofá, confortavelmente segura de ti num relacionamento sem grandes crises e desafios. Até chegar o dia que ele diz, que se calhar, é melhor ir “comprar cigarros” e não levar a chave, nem voltar a tocar à porta. Sim, já visto acontecer muitas vezes. A rapariga de coração partido que decide dar uma chance ao stalker que a perseguiu no secundário “Ah, ao menos este gosta de mim”. A descrente no amor, que decide apostar no rapaz outrora perpetuado na friendzone. Ou, como no meu caso, aquela que achou por bem dar uma hipótese àquele gajo ainda meio chavalo, porque ele ri-se todo quando a vê na frente, porque  vai comprar batatas fritas quando estás irritada e a ir às lágrimas na iminência de mais um período menstrual. Aquele pateta que larga tudo para te ver, que beija o chão que tu pisas com chulé recém-chegado das sapatilhas do ginásio. Cuidado! Não quero tornar isto numa verdade pessimista e universal, mas se te identificas com algum destes estereótipos, é bastante provável que estejas prestes a passar por um desgosto calamitoso, que vai causar estragos sem precedentes.

Vai chegar o dia em que, de repente, sem que nada o fizesse anunciar ele te mande uma sms a dizer “sabes, não dá mais”, “não és tu, sou eu”, “acho que preciso de um tempo para mim”; O gajo que detestava Paulo Coelho, mas agora te esfrega com os clichés dele na cara. Aquele palerma que te idolatrava e, que tu, consequentemente, foste adorando e bajulando na mesma medida, vai perceber que lhe falta qualquer coisinha, e esse pequeno detalhe, não és tu certamente. Talvez seja a Janete do curso de arquitectura ou a simples influência do amigo solteiro que é alérgico a compromissos e latéx. Talvez seja a personagem principal da nova série que ele assiste no Netflix, sabemos lá... Tu vais-te sentir idiota ao relembrar que chegaste até a achar, que se calhar, o teu namorado tão devotado em conquistar-te, gosta um bocadinho mais de ti, que tu dele… Vais contorcer-te ao pensar que quase te sentiste mal por isso, hahahahahaha!

A boa notícia, é que como em qualquer outra crise, chega o clarão da lucidez, e ele vai-se arrepender. Talvez não te vá servir de grande consolo, mas pode levar meses, ou anos. Pode ser que nem te diga nada. Mas chega sempre aquele tesão da meia-noite solitário em que ele vai pensar que provavelmente está solteiro porque foi um bocado parvo. Vai ter medo de morrer sozinho e decompor-se ao lado da playstation, ou das meias com raquetes, ainda por  lavar. Ele vai pensar que aquela histérica meio chata, que jogava numa liga bem acima da dele, na verdade fez-lhe um favor tão grande, que agora é difícil encontrar algum contentamento. Ele que achou que se conseguiu esta, se calhar conseguia qualquer uma, que o céu é o limite. Ele vai na verdade apodrecer aos poucos nos seus remorsos e angústias. E tu, que já curaste a ressaca da tristeza e da loucura, deixarás de te perguntar o que é que fizeste de errado, ou pior, o que é podias ter feito de maneira diferente. Vais estar certamente a jogar outra vez na tua liga, no outlet dos despreocupadamente imperfeitos. Vais pensar onde raio é que tinhas a cabeça para teres baixado os teus padrões e normas, num momento de insegurança ou fraca estima.

Tu vais ficar bem, afinal, ele também te fez um grande favor a ti: deixou-te mais livre e disponível para algo merecedor da tua dedicação e do teu tempo já escasso! O importante é não deixar que ele te venda o gato, ou te faça ponderar um ex-namorado qualquer igualmente idiota e desolador. Talvez esteja na hora de aprenderes a ser feliz sozinha, para que se alguém te resolva acompanhar daqui por diante não o faça sequioso por uma mera companhia, pela ameaça recorrente da monotonia ou solidão, pelo cansaço do punho direito.

Eu repito: só não deixes que ele te venda o gato, ele vai fazer-te muito jeito aos pés da cama no inverno quando concluíres que as freiras é que estão bem, mas tu estás demasiado afeiçoada aos pecados mundanos da moda e da tecnologia e o lesbianismo não é bem a tua cena.