quarta-feira, 26 de junho de 2013

graças a Deus que já não estou no 5º ano

  Já reparei que os meus textos têm muito mais aderência quando narro acontecimentos ridículos do passado, em vez do emparelhamento das minhas emoções incompreendidas (aquelas descrições cheias de nós, em círculos infinitos onde se confunde a sinceridade da minha prosa com a complexidade de uma poesia qualquer). Na verdade eu sou mais natural assim, grave e séria, à margem da compreensão, irresoluvelmente complicada, mas... confesso que "rir para não chorar" é uma filosofia de vida que tenho vindo a levar a cabo sem remorsos  ou arrependimentos.

  Então lembrei-me do primeiro dia de aulas do 5º ano. Nem eram bem aulas aquilo, era mais uma apresentação à turma, para se conhecerem os colegas. Era também o dia dos meus anos. Conhecia 60% da gente que ali estava, tinham andado a jogar ao cola-e-descola comigo na era dos piolhos na escola primária. Os rapazes transpiravam-se todos a jogar à bola,  davam pau e cacete nas canelas. As mochilas do ano anterior ainda rotas nos cantos de já arrastarem no asfalto, aqueles buraquinhos tímidos que mostravam os livros aborrecidos, acabados de encapar na papelaria. O gordo ia sempre à baliza, o escanzelado atirava-se sempre para o chão e fingia que chorava, os outros prosseguiam sem fazer caso, alguém gritava "f"$%-se, é falta c$%&?@$ !!!".  As miúdas cochichavam, riam-se baixinho, comparavam as calças novas da resina, ou da ruivinha de totós que fazia gestos obscenos com o dedo. Havia uma miúda que tinha umas de ganga em cor-de-rosa bebé!!! E eu esturricava ao sol de fatiota de linho (repito, era o dia dos meu anos), cheia de inveja, como se a porcaria das calças dreads que se repetiam em cores, feitios e tamanhos não bastassem -quanto mais largas em baixo, melhor- reparei noutra variável comum entre elas, uma tendência gritante da moda que mais uma vez me excluía: soutiens de alças de silicone!!! Ora, primeiro que tudo, para usar um singelo soutien de alças, existe a eminente necessidade de sustentação de mamas e eu nem caroços tinha!!! Mas alças de silicone... alças de silicone com brilhantes... já exigiam mamas em exagero, já era preciso caixa de ar, largura de costas, copas B, mamilos que se arrepiam com o frio. E eu ali, vestida de linho, sem nada. O máximo que conseguia arranjar era um soutien de desporto 100% algodão bordado na feira da Senhora da Hora com um bambi a comer flores no Disney prado . Fiquei desolada no meu aniversário, não tinha mamas, nem calças largas, amigos ou auto-estima. Tinha apenas 11 anos e isso, por si só não me bastava... (Podia ainda referir os fios com pérolas de brilhantes que se colavam ao cabelo, as mochilas da eastpak mas por hoje basta).

  Hoje tenho 22 e sou meio corcunda, acho que verguei um bocado para a frente. Parece-me mesmo que ouviram o desespero das minhas preces, mas voltaram a falhar na proporção. Acho que nunca cheguei a usar soutiens de alças de silicone, aquilo colava-se à pele com o suor, às vezes até arrancava pêlos!!! Ainda bem que já não faço anos no primeiro dia de escola (toda a gente se esquecia anyway), ainda bem que já não existem alcinhas transparentes… Graças a Deus que já não estou no 5º ano.

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