quarta-feira, 12 de setembro de 2012

5 letrinhas apenas, um gatinho fedorento;


  Nunca pensei apaixonar-me por um gajo com um nome tão azeiteiro. Quando andava no ensino preparatório e me condenavam a uma actividade de grupo, o destino era sempre fatal e derradeiro: um Hugo pateta, mais um Hélder qualquer (os Hélder’s eram sempre os que cheiravam pior), um Fábio André – geralmente um gajo de boné gasto pela insistência dos dias e do sol- mais um gajo com o nome igual ao teu, aquele que ainda não tem barba, mas que não esqueceu em casa as borbulhas pálidas e gordurosas, o bigodinho que ameaça só nos cantos; Esses todos e eu, na estreiteza de duas mesas juntas à pressão, no pretexto de uma tarefa escusada qualquer. Eu e os palermas todos da turma, essa ordem alfabética que sempre me enervava e desfavorecia. Cuspiam-se, riam sem razão em uníssono, atiravam coisas em trajectórias incertas sem grande destino ou pontaria, insinuavam-se com orgulho (aquele cheirinho a suor inerente ao jogo da bola no intervalo anterior), trabalhar é que nada. É certo que eu, a Joana, a aplicada e disfarçada em maquilhagem precoce e excessiva para idade, preferia olha-los com desdém a terminar o trabalho requisitado. Nunca fui repreendida, no final das contas, eu estava no grupo dos bacocos e a culpa atravessava sempre para o lado deles, que pouco ou nada se importavam.

  Por isso nunca gostei de rapazes com o teu nome, se calhar aos 13, também não eras gajo para tomar banho, talvez te encostasses ao trabalho da miúda dos cosméticos, possivelmente também te rias do escárnio que lhe causava o teu cheiro nauseabundo, as tuas piadas sem debruço ou fundamento!

  Agora tens barba e sabes falar com pausas e raciocínios. Penso que ainda não és grande admirador da higiene pessoal, mas faz parte do teu charme peculiar inspirado nos filmes à francesa. Continuas a usar meias com raquetes e calças rotas nas extremidades porque arrastam no pavimento. Agora que penso bem, ainda encaixas perfeitamente na crueldade de características que o teu nome por si só te confere. Ainda usas a mesma roupa que te assombrou a adolescência e quando te fito, jamais me irei esquecer do Hélder, do Fábio André e desse gajo com o nome igual ao teu. E garanto-te que não te olho com desdém, não tens culpa do mau gosto dos teus progenitores. Na pior das hipóteses, imagino-me numa banheira cheia de bálsamos perfumados contigo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

contra-ataque do desejo errado


Revejo-me: um corpo frouxo que se desmaia em movimentos lassos de insónia! Adormecer é prática de cerimónia onde sono por mim já nem abranda, nem espera. A memória abre lenta, como que num deslizar modesto de gaveta, e tu espreitas-me de pronto sem paisagem, em previsões secas, sem aragem, que me ardem como menta! Que visão tão cruel e violenta: beber da tua boca em espasmos, numa coreografia mal coordenada e extremamente barulhenta;

Não sei se foi o sono que se perdeu de mim, ou se foste tu, inconveniente, a agitar-me e deixar-me assim, nervosa e inquieta, mas… bem sabes que a minha imaginação é um jardim onde no tédio de uma prosa, rebenta sexualidade cor-de-rosa, disfarçada em considerações de poeta.

Garanto-te que fujo de ti tanto quanto posso, recordações tuas mordem-me vorazes como dentes (relembrar o que já não é nosso, sobra para os frágeis, é consolo para os doentes!). Numa ferida onde o sangue não estanca, há sempre uma estrela que brilha e adormece… Há uma lembrança azeda que manca de mão dada com uma esperança que resiste, que não desaparece!

sábado, 12 de maio de 2012

em busca da reciprocidade


    Estou-me a desfazer das balelas rascas –já não há dó que suporte esta conversa  tendenciosa e subtil que te implora ao reconhecimento e pena imediatos! Recuso-me a despir aquilo que sinto num cenário onde as baladas soam longe e o fracasso me ameaça após a sua recorrência.

Confesso que me incomoda esta postura que trago: a figura de braços lassos e desistentes, com uma esperança que desconfia, derrotada! Lembro-me do que fui outrora e fico desolada. Suspiro ao constatar que não fui capaz de impedir que me deturpassem as convicções, mas nem me atrevo a responsabilizar-te por uma culpa que não é sequer atribuível.

Chateio-me por lamentar-me tanto em perder-te, quando na realidade, nunca te cheguei a ter! Aliás, como pude eu esquecer as noções para viver sem ti, se foi aquilo que fiz praticamente a vida inteira?

Há muito que larguei o leme, pouco ou nada me importa o descontrolo sob este rumo que levo! A minha demanda imprecisa e essa necessidade de se ser feliz, desencontraram-se, nunca chegaram a andar mãos dadas… Tardei pouco em esquecer a urgência de me adaptar às circunstâncias que apenas me levam aos términos restritos da trivialidade.

Então vencida e cansada, sem saber bem para onde dirigir este grito, eu admito: apenas imploro por transparência, eu só exijo reciprocidade, uma permuta invisível de respeito mútuo e infinito!!!

quarta-feira, 2 de maio de 2012

reflexões da consciência avinagrada


  Aflige-me o ardor com que se desprende a sua voz. É como se as palavras se entornassem em café, numa amargura açucarada e quente. É um discurso que me desconcerta, mas raramente atento naquilo que diz. Não que não me interesse aquilo que fala, mas acabo sempre por distrair-me com pormenores de 2ª linha: o timbre termoestático, os olhos que lhe acompanham a linguagem numa coreografia coordenada que se antecipa sempre àquilo que diz. As palavras que escolhe a dedo causam-me este abalo, mas é o rigor do seu olhar intenso que me engole à primeira tentativa! Se o vejo, ofereço resistência numa conversa previamente definida, um diálogo estático que se desdobra em piloto automático. As minhas palavras atropelam-se e encolhem-se na pressa de fazer algum sentido, no que se revela ser, posteriormente, uma maratona perpétua e imprevisível. Mas depois de tanto esforço, reconheço que apenas surgem teorias sem emprego ou nexo…

Incomoda-me constatar que apenas me conhece este olhar perdido e vago, que imagina, nos entretantos, estas coisas que lhe escrevo, mas… tento encontrar aqui um lado suportável e positivo: será que o impacto destas palavras seria o mesmo se apenas dirigidas à avaliação daquilo que interpreta? Não passariam a correr no contra-relógio das sentenças instantâneas que delibera, na ausência de repetições/reproduções?

terça-feira, 3 de abril de 2012

abismo dos critérios

Falaram-me de como os encadeamentos lógicos dos pragmáticos facilmente esmagam os fundamentos onde se debruça a imaginação dos idealistas. Sinceramente, não tomo partidos nem me acuso. Recuso-me a ceder aos rótulos a que me forçam e lastimo, com franqueza, essas tendências que teimam em me dirigir! A minha isenção inibe-os dizendo “nada é pleno e muito menos absoluto!”;

Em todo o caso, se há coisa que julgo realmente não entender é a discrepância entre a lógica de Vénus e a tão proclamada coerência de raciocínio masculino! Não há palavras que consigam descrever o riso que me insiste quando os vejo dizer, indignados, “como se fosse possível entender as mulheres!!!”…E quando me cessam as gargalhadas, num intento de reconforto, abrando num sorriso solidário, com a garantia de que dificilmente existirá alguém na minha trupe que vos preveja ou compreenda!

Reconheço-me, então, como a eterna espectadora das causas tresmalhadas. Revejo sucessivamente o desenrolar repetido dos acontecimentos:

-Elas, que se desdobram, deturpam e se transfiguram; indagam-lhes os gostos e tendências e ensaiam-se para se apresentar como fatais e derradeiras. Como é óbvio depois desolam-se, pois nada parece ser efectivo e suficiente. E atrapalham-se nas mais diversas inversões de marcha, não sabem bem por onde recomeçar…

-E eles de postura segura, sóbria e inabalável; dizem não buscar nada nos términos do que se denomina como concreto. Vão-se entretendo nesse malabarismo excessivo, onde surgem elas postiças e dedicadas afim de lhes converter os sonhos patéticos, na mais inebriada realidade; Despertam vazios e prostrados! Essa demanda, que recusam reconhecer afinal existe, mas dificilmente se manifesta! E o que ontem pareceu sensato e acertado, revelou-se no reflexo irreflectido dos sentidos. Tombam e reerguem-se vez após vez, justificam o seu insucesso com o abismo de critérios que nem existe e prosseguem;

Eu gosto de imaginar que me situo no intervalo entre uma realidade e a outra, mas confesso que ainda não consegui perceber o que é realmente necessário para cessar este ciclo infinito e viciado que dificilmente se interrompe… É que eu também quero jogar, mas a este ritmo, não sei bem quando será a minha vez!

sábado, 24 de março de 2012

monólogo dos desacompanhados

Tu bem sabes que me tentas a lembrança! Surges insistente em recordações que se pausam e soluçam, ao evitar a clarividência do bom-senso que por vezes detenho.

É estranho o magnetismo que me causa a acidez com que me olhas, o impacto com que me atingem as palavras ásperas que me diriges... Penso que o que me mantém à espreita é a ambiguidade com que adequas as ideias aos teus verdadeiros propósitos. Acabo por dar sempre por mim desconfiada, pois tudo em ti é novo e me experimenta e as conclusões que teço fraquejam na ausência de experiências prévias.

Intriga-me a convicção com que me negas e aprecio o avanço que me dás quando planeias imobilizar-me em argumentos implacáveis, que me espetam como pregos firmes e sucessivos;

Eu bem sei que a minha resistência se apresenta a ti como ridícula e exagerada, mas será realmente descabido sobrepor a impaciência das minhas intenções ao teu cepticismo viciado, que a mim não se adequa nem aplica?