terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ninguém te valoriza e preza mais do que tu mesma,





Só tu sabes o que realmente acontece dentro de ti! E se a tua vida se move na locomoção inerte de uma lesma, sem esperar a presença de espectadores em resma acena feliz e graciosa, aplaude-te, pestaneja, sorri!

Ninguém é o véu translúcido e evidente que diz ser! O que há de mau em ti rapidamente se manifesta! Os filtros coadores que nos impõem o rótulo de pessoa honesta detêm o que é mais insólito e aprazível de se ver! Por isso grita, desarruma, transcende, invade e luta, nada mais existe que esta repudiada gruta, onde todos se adormecem na mais voluntária sesta!

E quando ninguém der por ti, lembra-te, tu és o sorriso que brilha num rubi, numa pedra anónima a que ninguém atenção presta!


- Joana Nardo

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

“De nenhum fruto queiras só metade.”



Não esperes pela entrega e inteireza de quem se oprime na incerteza de um amor que se manifesta em dualidade! E mesmo que suspire e te apelide de princesa, suspeita com a mais digna estranheza da instituição do seu trono da verdade! Os reinados são das rainhas com riqueza… e mesmo que suas frases se profiram suaves e com delicadeza, lembra-te que é apenas um rito de desvario, da mais extravagante e masculina vaidade!

Não te permitas que te estanquem um sonho, ou crenças e intenções! Verás que revogar é fastidioso e enfadonho e que o domínio, conquistas e pertenças são as mais vis de suas doenças e o único sangue que lhes sacode os corações!

Não vivas plácida na peneira dos dias, não aguardes uma colheita incerta com as esperanças em alvoroço. O tempo desperta muitas sinestesias, deforma-te as lembranças deixando apenas um borratado esboço, mas também dissolve, progressivo, a mais entranhada das agonias que te surge, quotidiana, quase sempre em carne e osso.

E se te intentarem a provar num fruto saborosas doçarias, lembra-te que somente o aprecias, se o comeres todo até à vala do caroço!


-Joana Nardo

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Não tenho mais palavras. /Gastei-as a negar-te.../ (Só a negar-te eu pude combater/ O terror de ver/ Em toda a parte)



Resigno-me, desisto. Decepcionei-me e há muito que estou cansada! Mas na fadiga em que escrupulosamente te contesto, logo surge em manifesto a saudade que tanto oprimo, espezinho e detesto, a paradoxa repulsa de quem se perdoa do gesto de descer “mais um” degrau da eternidade de uma escada.

Odeio-me por ceder a este impulso e escrevo-te na contra-mão do meu orgulho e estima! Apelo quase que em oração ao escárnio e ao desdém, que quero expulso neste apregoar que tanto te protesta e lastima! Mas quando o sono me extenua e enfraquece, é tua figura que me vence e apetece… E esse rosto que trago na lembrança como refém é a ponte que me leva além da persistência que nos afasta e detém e onde a nossa ausência nos aproxima.

Mas tu sabes amor, que a abelha fenece após cravar o ferrão na semelhança de uma flor, cuja escolha lhe pareceu conveniente e acertada! E como vês, continuo escrava deste amargor, que é esta dor, este fio condutor que me leva sempre à solidão onde desmaiam tristes as casas da calçada.

“Mas o tempo moeu na sua mó/ O joio amargo do que te dizia.../ Agora somos dois obstinados / Mudos e malogrados, / Que apenas vão a par na teimosia”

-Joana Nardo

segunda-feira, 19 de julho de 2010

“Sempre que eu insisto eu esqueço que existo. Agora sim não falo só por mim, eu quero-te a provar do que é teu.”





E a cada intenção falhada é apenas mais uma bofetada, já estava previsto! À flor mais bonita do jardim é-lhe dada a esmola em água, coitada, quando indaga o azul fundo que o dia lhe dá no céu!

Cismo amor, teimo tanto e fico triste… as horas escorrem intermitentes no desagrado com que se desprendem as lembranças que tenho tuas! E no fim, o rosto fica molhado, gritar vigorosa para tua surdez é como o miserável que se arrasta cansado na lucidez onde se prolongam, compridas, as ruas…

Na escassa possibilidade que cesses essas melodias alheias que te entretêm e que me esquecem, experimento o desassossego e inquietação que me confere a ambiguidade das incertezas! Anulo-me numa espera doentia de que só os desgostosos padecem, para quando te cansares de usar bijutaria que só os pequenos merecem, te assegurar a riqueza digna da mais exuberante e nobre das realezas!


-Joana Nardo

sexta-feira, 2 de julho de 2010

"Devias estar aqui rente aos meus lábios,



Para dividir contigo esta amargura dos meus dias partidos um a um" pois se julgas que a saudade desvanece com a mesma ingratidão com que te desacelera veloz o coração relembro-te, que não é o silêncio que amortece a euforia de encontrar tamanha poesia, na vulgaridade de um rosto estranhamente comum!

Crês ingénuo e inocente, que por me ver de ti ausente, esta bem-querença amolece na mesma duração em que desaparece um lembrança antiga, quase inexistente! Acredita que são as coisas mais insignificantes que me apelam à mais fácil recordação tua... E se te revejo na aragem fresca dos instantes, em vez do descompasso onde se beijam vorazes os amantes, amar-te-ia menos por me sujeitares à placidez deste silêncio áspero, que a tua falta continua?

"Eu vi terra limpa no teu rosto/ Só no teu rosto e nunca em mais nenhum", eu encobri minha fome em muita boca e gosto, mas na isenção do teu paladar saciante, por suposto, reconheço que tenho andado miserável e em jejum!




-Joana Nardo

quinta-feira, 1 de julho de 2010

gostaria de escrever de outra coisa que não o amor,



Mas na inconstância de minhas vontades, tu és aquela à qual não me é possível pôr termo ou freio, pois se o tempo se folga e alarga, nesta hora que então se atesta amarga, tu és o fruto que deliciosamente saboreio!

E que bom seria, amor, que este sargaço onde me escondo não fosse tão profundo e hediondo como estas palavras viciadas que te digo! Mas se amar é conceber vínculo e relação, então germinas-me o coração como a semente de uma mãe que se prende em seu umbigo.

Se tanto zelo por escrever, que desperdício seria gastar minhas palavras num desbarato que te ignore e desconsidere... E se é essa a única culpa com que terei de morrer, que seja por este amor não caber na estreiteza que este meu discurso te confere!




Joana Nardo.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

«Dávamos as mãos e os nossos olhares perguntavam-se o que seria querer realizar em carne a ilusão do amor»



E o teu olhar em mim indagava, talvez, o toque etéreo, inflamável, que nos meus olhos a carne prometia! Buscar num olhar desaustinado o desafogo aluído e agradável é caminhar brusco em ponte instável, é desafiar acender-me como candelabro em plena luz do dia!

"Ah pudéssemos amar-nos sem que existíssemos e possuír-nos sem que ali estivéssemos" apartámos nossas mãos geladas, como se agora o desejo nos fosse alheio ou meramente domesticado! Amar também é abordar as faces de um rosto exímio, num beijo evasivo e disciplinado!

Mas mais não me ralo, a mim já não me faz caso o amor! Sentir teu beijo controlado e superentendido é receber fogo suave na pétala de uma flor, é vestir sexualidade, má índole, na elegência de um vestido!


Amar deveria ser assim mesmo, edifica-lo na insegurança de uma talvez! Querer-te sem promessas, compromissos, juras ou palavras, ser sempre a tua princesa do "Era uma vez"...









Joana Nardo.

estranhas coincidências



Quando a tranquilidade e quietude me abandonam e em ti o tempo escorre em reticências, constato, que sempre acabo por me reerguer sozinha, pois sou o luto da andorinha que adeja isolado, longe do índigo azul das aparências.


Perdoo-te porque desconheces o amor! Desespero por tanto teimar em amar-te, mas logo me pauso e penso: de que me serve atear, incansável, fogo cuja chama arde isenta de calor, que quando cessas e descansas, logo tende a ficar suspenso, a esbrasear?


Chorar-te na repetição dos dias é resistir a uma tristeza feroz que te submerge e assola, é melancolia serena que teimosamente te afunda no mesmo compasso em que estala o gatilho de uma pistola... E quando aspiro ver-me de ti acompanhada dou por mim em desalento, cercada, pela mais irónica das solidões, pela demência mais insistente e profunda. Jazo na pobreza dos dias sem ser merecedora da mais somítica esmola!


Quando os papéis se invertem e experimentas, o que em tom de privilégio ignoraste, reconheces que o tempo é a estranha coincidência onde sempre escorregaste e que as peculiaridades do destino sempre se repetem !


Joana Nardo

domingo, 20 de junho de 2010

amar sem término e proporção,






Desperto de repente, deixei-me embalar pela crueldade do teu silêncio! Na negação da tua ausência, engulo a saudade, experimento a demência, trago nos olhos o luto e pranto no mais profundo e errático suplício. Encarar-te de mim indiferente é impiedade, sevícia é privação e malícia, é atrocidade e sacrifício !

Na renúncia e penitência a que me sujeitas constato, que mesmo as estrelas desvanecidas e rarefeitas permanecem imponentes, perfeitas, luzem inconformadas na claridade das manhãs e dos dias! Eu amanheço reluzente como astro, insistente estrela que arde em teu regaço, eu sou como anónimo suporte, incógnito abraço... eu sou a brisa que te desperta do tédio, que refuta a mais crédula de tuas teorias!

Mas amar-te sem término ou proporção já me basta, pois a maré de tão ousada também arrasta a areia que resiste às suas persistentes acrobacias. Escuto e o nosso amor é o melodioso soar de um pássaro em contradição com a noite e suas penosas chagas. E recordo-te, que sendo eu vento insistente, alvoroço, agitação estridente, não tardo em reacender os fogos que em vão apagas!





Joana Nardo.